Um novo modelo de Supervisão Financeira
Foi discutida na Assembleia da República, no passado dia 7 de junho, uma Proposta de Lei (Proposta de Lei n.º 190/XIII) que pretendia criar e regular o funcionamento do novo Sistema Nacional de Supervisão Financeira. Embora a proposta não tenha sido aprovada nesta legislatura, ficando pois pendente de nova iniciativa do Governo, que vier a resultar das eleições legislativas de outubro, entendemos que a relevância do tema justifica aqui uma nota de reflexão.
A proposta ora discutida bebe das conclusões e da proposta subjacente ao relatório do Grupo de Trabalho constituído em janeiro de 2017, alvo então de consulta pública. Nesse contexto a Euronext teve a oportunidade de se pronunciar, evidenciando a sua preocupação, quando ao modelo proposto. De facto, a opção por criar mais entidades regulatórias, a par da manutenção das já existentes, vem introduzir mais complexidade e custos num contexto em que, ao invés, o mercado de capitais necessita de iniciativas reformistas muito mais ambiciosas, e com uma visão de futuro.
Em traços muito gerais, a proposta que foi apresentada na Assembleia da República, contempla a criação de três novas entidades:
- O Conselho Nacional de Supervisores Financeiros (CNSF)
- A Autoridade de Resolução e Administração de Sistemas de Garantia (ARSG)
- Comité Nacional para a Estabilidade Financeira (CNEF)
Destas três novas entidades, duas vão ser dotadas de autonomia administrativa e financeira (o CNSF e o ARSG), e portanto, de recursos próprios, incluindo quadro de pessoal, instalações, e demais custos.
Estas entidades vêm acrescer às três entidades de supervisão setorial que já existem – a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), o Banco de Portugal e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).
O CNSF, embora já existente, é agora transformado em pessoa coletiva de direito público, dotado de autonomia de gestão, administrativa e financeira que tem como missão a coordenação das diferentes autoridades de supervisão, a manutenção e o reforço da estabilidade financeira. O CNSF é a autoridade macroprudencial nacional. Nesse contexto, as atribuições do CNSF são, entre outras, a de coordenar o exercício dos poderes das autoridades de supervisão; contribuir para a eficiência e a eficácia do Sistema Nacional de Supervisão Financeira (SNSF); promover o desenvolvimento do setor financeiro nacional; contribuir para a proteção dos direitos e interesses dos clientes de produtos e serviços financeiros; participar na definição da política regulatória relativa ao setor financeiro nacional.
Paralelamente ao CNSF é criada uma outra entidade, a Autoridade de Resolução e Administração de Sistemas de Garantia (ARSG), enquanto pessoa coletiva de direito público, com a natureza de entidade administrativa independente, dotada de autonomia de gestão administrativa e financeira. São atribuições da ARSG, na qualidade de autoridade nacional de resolução, e entre outras: aplicar medidas de resolução; determinar requisitos mínimos de fundos próprios; determinar a utilização dos mecanismos de financiamento de resolução; assegurar a representação nacional nos colégios de resolução e nos órgãos do Sistema Europeu de Supervisão Financeira.
Desde 2017, em resposta à consulta pública do Ministério das Finanças, que a Euronext Lisbon corroborou e congratulou o intento de reformar o modelo de supervisão financeira instituído em Portugal.
O sistema financeiro está em profunda transformação, os bancos estão a consolidar-se e a integrar-se em grupos internacionais, o mesmo acontecendo a outros serviços financeiros, incluindo a própria Bolsa, que hoje faz parte de um grupo multinacional de Bolsas.
Por outro lado, a revolução tecnológica está a modificar profundamente a forma como os cidadãos se relacionam com os serviços financeiros. E o modelo de supervisão tem que se adaptar a esta nova realidade.
Há que criar um contexto regulatório e de supervisão mais ágil e mais eficaz, no qual as decisões sejam mais céleres, e as penalizações para aqueles que incumprem sejam mais pesadas e aplicadas oportunamente.
Mais, num contexto cada vez mais harmonizado na Europa, inclusive do ponto de vista regulatório, seria expectável que a iniciativa em apreço, de reforma do modelo de supervisão, se inspirasse em modelos que se pautam pela simplificação, desburocratização, previsibilidade e eficiência.
A concretização de uma alteração do modelo de supervisão financeiro, no contexto atual é a oportunidade de encetar uma reforma que efetivamente perspetive os mercados financeiros do futuro, a integração europeia e internacional, e o impacto da tecnologia. Não aproveitar o ensejo desta revisão do modelo de supervisão instituído para dar sinais de que também o mercado português partilha da visão de se tornar um mercado mais atrativo ao investimento e aos investidores, designadamente através de um modelo de supervisão mais simples e eficiente, é perder uma oportunidade única.